Há tempos a imprensa não repercutia tanto uma lei de iniciativa popular como está fazendo com o famoso projeto “Ficha Limpa”. Ao entrar no site que divulga tal iniciativa, nos deparamos com uma mensagem em letras garrafais com os seguintes dizeres: ASSINE PARA ACABAR COM A CORRUPÇÃO, além de alguns apelos dizendo que nos brasileiros devemos nos unir para juntos mudar a política no país.

O que me deixou mais intrigado é que no site que colhe as assinaturas não possui link para o projeto. A pessoa assina antes mesmo de ler a lei. Como irei lutar por uma lei sem ler tais normas? Não me parece algo razoável entrar em um site, assinar algo que promete moralizar o país, sem sequer saber o que se trata.

Um site que tem a pretensão de ACABAR COM A CORRUPÇÃO deve, no mínimo, explicar como ira realizar tal inexplicável façanha e ser um espaço democrático para discussões.

Creio que seja de grande importância uma manifestação popular que visa buscar melhorias para toda a população brasileira. Porém, tais manifestações devem se basear no esclarecimento dos seus seguidores em detrimento à alienação das massas. Não me parece que os cidadãos que estão assinando o projeto saibam muito bem o que estão fazendo.

A ideia principal do projeto “Ficha Limpa” é tornar os candidatos a cargo eletivo inelegíveis quando tenham sido condenados em primeira instância por crimes tais como racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas, desvio de verba pública, etc.

Ao entrar no site dos organizadores do projeto, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, encontrei o seguinte trecho:

“O novo projeto de lei prevê que se tornem inelegíveis pessoas que se encontrem, dentre outras, nas seguintes situações: – As que foram condenadas ou tiveram denúncia recebida por um tribunal em virtude de fatos graves, tais como: racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas. Essas pessoas devem ser preventivamente afastadas das eleições até que resolvam seus problemas com a Justiça Criminal. Não se trata de considerá-las antecipadamente culpadas, mas de adotar uma postura preventiva, em defesa da sociedade.”

Dizer que não estão considerando as pessoas previamente culpadas é um atentado à nossa inteligência, haja vista que, ao afastá-la das eleições, ela já está sendo punida. Se o objetivo dela era se eleger, então não se deve falar em medida preventiva, e sim, em punição.

O artigo 5º, inc. LVII, da nossa Constituição de 1988, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O projeto está, pois, lesando uma garantia Constitucional, tendo em vista que ele pune o cidadão antes mesmo de ser condenado de forma definitiva pela justiça. Uma quantidade considerável de processos é julgado de uma forma em primeira instância e modificado na segunda. Não seria nada democrático proibir um cidadão que foi condenado apenas em primeira instância de se eleger. Tal medida estaria restringindo o seu direito à defesa. Também no artigo 5° da CF/88, em seu incisso LV, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Não estou querendo, como diriam alguns, defender bandido. Uma lei não é feita apenas para pessoas desonestas, é feita para todos. Não podemos atentar contra o que temos de melhor em nosso país em matéria de Direito, que é a nossa Constituição. A conquista pela democracia foi dura. Não podemos jogá-la no lixo criando leis autoritárias. Os fins não podem justificar meios ilícitos.